domingo, 15 de janeiro de 2012

A arte de escrever, por Schopenhauer


Schopenhauer nunca foi o meu filósofo preferido; mesmo tendo influenciado dois dos meus pensadores de cabeceira: Nietzsche e Freud. Sempre o considerei muito chato, pra falar a verdade. Mas, como muitos diziam que ele era interessante, e eu sempre fui e serei uma aprendiz de filosofia, lá fui eu encarar o rapaz despindo-me de qualquer PRÉ-conceito. Afinal, só podemos falar que não gostamos de um autor, quando conhecemos sua obra. E eu, naquele momento, apenas conhecia alguns trechos e frases soltas; dessas que são postadas em sites, mas sem nenhum critério de avaliação.




Certo! Já havia assistido algumas palestras sobre o dito cujo e lido trabalhos de amigos da faculdade de filosofia. Entre esses trabalhos, me lembro claramente de uma apresentação maravilhosa de um colega, o Marcos -- os que cursaram filosofia comigo saberão de quem falo. Foi realmente empolgante. E as palavras dele sobre seu autor preferido ficaram em minha cabecinha. Então, um dia andando por um supermercado, passei na seção de livros e lá estava em uma gôndola um pocket de Arthur Schopenhauer. O título: "A arte de Escrever". O texto faz parte da obra máxima do autor, "Parerga e Paralipomena", de 1851.
Fiquei empolgada da primeira frase ao ponto final. Leve, engraçado e uma crítica inteligentíssima aos acadêmicos pomposos. Seu principal opositor sempre foi Hegel, realmente uma leitura difícil!!!
Ri tanto, que me senti quase que representada naquelas palavras, porque Schopenhauer escreveu tudo aquilo que penso a respeito dos escritos filosóficos atuais: são escritos para serem entendidos só por quem escreve. Às vezes, tenho a nítida impressão que os pensadores citados nesses artigos, se vivos fossem, também não entenderiam. Diz o autor sobre isso:
"Seria proveitoso que os escritores alemães chegassem à conclusão de que, embora de fato se deva pensar como um grande espírito, sempre que possível deve-se falar a mesma linguagem das outras pessoas. Palavras ordinárias são usadas para dizer coisas extraordinárias; mas eles fazem o contrário. Nós os vemos esforçados em disfarçar conceitos triviais com palavras nobres, em vestir os seus pensamentos muito ordinários com as mais extraordinárias expressões, as fórmulas mais rebuscadas, mais pretensiosas e mais raras".
Em seguida, ele elabora um discurso fantástico defendendo a sua ideia, para nos presentear com um exemplo que me levou às gargalhadas sonoras em uma madrugada fria. Observem:
"Aos apreciadores de exemplos dedicados a essa mostra: 'A próxima publicação de nossa editora: fisiologia científica teórico-prática, patologia e terapia dos fenômenos pneumáticos denominados flatulência, que são apresentados de maneira sistemática em suas relações orgânicas e causais, de acordo com os seus modos de ser, como também todos os fatores genéticos condicionantes, externos e internos, em toda plenitude de suas manifestações e atuações, tanto para consciência humana em geral quanto para consciência científica: uma versão livre da obra francesa L' art de pérter (*), provida notas corretivas e excursos esclarecedores".
Ok! vocês não encontraram a graça?
Mas se eu contar aos que não entendem francês o título da obra proposto e aceita para Schopenhauer?
Ai vai. (*) A arte de peidar.
Claro, que na obra encontrei opiniões que não compartilho, mas no geral, o alemão estava certo. Ele defende as línguas eruditas e diz que é preciso sempre ler o autor em sua língua original, o que acho louvável. Mas o alemão é muito difícil e eu, particularmente, continuarei a lê-lo ou em português ou no máximo em inglês. Sei que não é a mesma coisa, mas acho que as ideias são expostas.
Ele também defende a linguagem de forma brilhante e reforça que um texto deve manter a objetividade, sem ferir regras. Diz:
"A língua é uma obra de arte e deve ser considerada como tal, portanto objetivamente; assim, tudo que é expresso nela deve seguir regras e corresponder à sua intenção; em cada frase, é preciso que se comprove o que deve ser dito como algo que objetivamente se encontra ali"
E há vários aforismos (parágrafos breves) destinados à defesa e à explicação "Sobre leitura e livros". O autor nos ensina a ler; e quem trabalha com textos sabe que quanto mais lemos, mais nossos textos ficam ricos. Mas o alerta de Schopenhauer é muito importante. Esclarece que  mais importante do que  ler, é se dar um tempo para pensar sobre o que se leu, caso contrário, a leitura verdadeira perde sua função. Vejam que interessante:
"Quando lemos, outra pessoa pensa por nós (...) Quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar. (...) a nossa cabeça é, durante a leitura, apenas uma arena de pensamentos alheios. Quando eles se retiram, o que resta? Em consequência disso, quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo (...) se alguém lê continuamente, sem parar para pensar no que foi lido, não cria raízes e se perde em grande parte".
 Ele acredita que a leitura nos ensina a escrever. Porém, desde que estejamos atentos e que é preciso um dom. E faz uma crítica severa sobre publicações de títulos ruins, que infelizmente, fazem apenas dinheiro e ganham uma legião de seguidores. Expressa sua repulsa por ações -- que na época não tinham esse nome -- de marketing dizendo que são VERDADEIRAS OBRAS PRIMAS. Só esquecem de dizer que são obras primas da mesmice.  Aqui é uma interpretação minha sobre o que li. Mas o filósofo alemão, que nasceu em 1788, diz sobre essas publicações:
"(...)possibilitando que eles levem todo mundo elegante na coleira, tornando-o adestrado a ler no momento certo, isto é, fazendo todos lerem sempre a mesma coisa, o livro mais recente, a fim de ter um assunto para conversar em seu círculo.
(...)Livros ruins são veneno intelectual, capaz de fazer definhar o espírito" 

Claro, não seremos tão severos como Schopenhauer, mas vamos selecionar mais o que lemos e como escrevemos por aí.

Ler é sempre bom!


2 comentários:

Inajá Martins de Almeida disse...

Teca
Brilhante teu comentário.
Quiçá o filósofo pudesse tecer comentários, aquietaria críticas tão severas e inflamantes.
De minha parte compactuei as tuas palavras.
Não sou muito versada aos filósofos. Conheci alguns... Filósofos da atualidade. Dos antigos estudados, poucos chegam ao me entendimento e gosto. Muitos se mantém distantes da realidade... Bem não vem ao caso.
O livro me encontrou. Há anos um texto meu - O ato de ler - fora tema proposto pelo ENEM (2006).
Bibliotecária, vez ou outra arrisco o verbo. Teço comentários. Redigo alguns textos.
O livro levou-me a perceber que meus argumentos quanto ao eruditismo da língua encontra eco. Apartar-mo-nos da gramática, grande risco incorremos.
Tenho debatido o uso indiscriminado de palavras chulas. Vocabulários pobres disseminados internet afora, veículos informacionais (jornais, livretos, revistas, etc). Textos pobres vários. Edições que são lançadas ao mercado livreiro de forma inescrupulosa.
Escritores de carteirinha...
A arte de escrever, tanto o autor como você conseguiram me transportar para universos vários:
1- Ele, embora uma cultura diferente da nossa, mas com ideias e ideais semelhantes - a escrita como arte, não somente o fazer por fazer escrita. O escrever para preencher o tempo. O escrever para obter recompensa - não que a escrita não deva ser remunerada, ao meu ver inclusive, valor inestimável lhe é justo, entretanto a boa escrita, como o texto que acabo de ler neste blog.
2- Você, Teca, apresenta comentário rico. Farto de informação. Leitura agradável. Escrita esmerada.
Muito mais gostaria de permanecer aqui. Ocupar este espaço. Porém, vou registrar minhas próprias impressões também.
Tenho um blog Retalhos de Leituras, onde faço algumas considerações sobre leituras várias.
Procuro, na medida em que minha inspiração se apresenta, lançar minhas falas através da escrita.
Obrigada por me permitir este momento gratificante.

Teca Pereira disse...

Nossa, nunca recebi uma crítica tão positiva! Fico feliz que tenha gostado e lhe convido a conhecer o livro online que estou escrevendo.
http://embuscadoseredeser.blogspot.com.br/

Espero que aprecie. Vou dar uma passada pelo seu blog tambm.

Teca