quarta-feira, 16 de maio de 2018

O medo de se desvelar

Toda vez que sinto a necessidade de organizar meus pensamentos, lembro-me de um desenho do Pato Donald no qual ele imagina a sua mente como se fosse um grande arquivo bagunçado. Quando percebe isso, ele se concentra e o que nos é mostrado é uma arrumação desenfreada, na qual ele arquiva cada papel em seu devido lugar e, para finalizar, coloca uma foto da Margarida em destaque em cima dos armários.
Como seria fácil se fosse assim.

Essa imagem ficou tão forte na minha cabeça que sempre faço isso, quando me sinto confusa. Mas colocar tudo em seu devido lugar é algo que exige muito autoconhecimento. Depois de alguns acontecimentos em minha vida, decidi cursar Filosofia. A cada aula e pensador eu me sentia mais feliz. Na verdade, eu me encontrei na Filosofia. Identifiquei-me com alguns filósofos ao longo do curso como, Foucault, Nietzsche, Sartre, Wittgenstein e muitos outros.
Mas quando estava quase no último ano, fui apresentada devidamente ao filósofo Martin Heidegger. Fiquei tão fascinada pela obra “Ser e Tempo” que a devorei em alguns dias e, desde então, é a minha Bíblia, meu livro sagrado. A partir daí, iniciei um longo trabalho sobre o pensador e suas obras. Era como se ele – por meio da sua filosofia – estivesse me respondendo a muitas das minhas perguntas mais significativas, principalmente no que se referia ao tempo, à morte e ao viver. Passei a entender muita coisa sobre mim e a minha constante angústia, ou melhor, o meu “vazio", ou p meu "nada”.
O que mais me chamou a atenção na sua obra máxima (“Ser e Tempo”) foi a diferenciação que o autor deu para a angústia ôntica e a angústia ontológica. A primeira tem uma causa identificada, fruto do intramundano, da decadência das atividades da cotidianidade e é curável por meio de ferramentas apresentadas pelo mundo tecnicista que tem como finalidade principal ‘coisificar’ o homem e levá-lo à impessoalidade e, consequentemente, à fuga de si mesmo, sem jamais conseguir entender o seu verdadeiro modo de ser. Já a angústia ontológica vem do nada, do vazio, que vem do ser enquanto ser e possibilita o contato com o nosso verdadeiro ser. Aquele que devemos ser e não o que desejam que sejamos.
A minha briga interna sempre foi entender porque me sujeitei a tantas coisas para “ser aceita”. E após um episódio triste, cheguei à conclusão que havia chegado o momento de me aprofundar nessas questões, pois, caso contrário, continuaria a repetir os mesmos erros em todas as minhas relações, fossem afetivas, familiares ou profissionais.
Foi justamente nesse momento que decidi cursar psicanálise e, com o curso, iniciei o meu processo de análise pessoal. A primeira sessão foi um desastre, mas eu só consigo perceber isso hoje, após mais de um ano. Eu cheguei ao consultório com muito medo e fiz de tudo para não passar esse sentimento à analista. Durante toda a sessão, tentei provar  que era resolvida e que nem sabia por que estava ali. Grande bobagem, porque há pessoas que nascem com o dom de ler o outro; e a minha analista tem esse dom.
Foi um dos momentos mais constrangedores que passei. E descobri como é difícil falar sobre nós o tempo todo de uma maneira verdadeira; sempre queremos impressionar, parecer muito melhor do que realmente somos. A minha solução foi tentar me descrever e usando toda teoria filosófica que havia acumulado.
Claro que não consegui explicar para a minha analista a diferenciação das angústias e que o meu vazio era ontológico e não melancólico. Sinto que até hoje, muitas pessoas não compreendem esse meu conceito emprestado de Heidegger. Mesmo porque Freud, o Pai da Psicanálise e o meu objeto de estudo no momento, define angústia como melancolia.
Mas esse fato foi o menos – e ainda o é – importante daquela primeira sessão. Eu procurava me esconder usando teorias filosóficas e até frases desses pensadores. Na verdade, eu estava com muito medo de me desvelar para mim, porque pra ela, eu já estava desvelada.
Depois de quase uma hora, consegui me abrir e disse que precisava entender o porquê eu sempre cometida os mesmos erros em relação aos homens, mesmo sabendo que eram erros. E foi então que a análise começou a fazer algum sentindo, naquele momento.Foram muitas sessões até eu começar a entender alguma coisa e, recentemente, uma pessoa que trabalha comigo disse que me achava muito resolvida em questões do coração. Pode ser que hoje eu seja melhor resolvida, mas estou longe de estar em paz, e disse a ela:
- Na teoria, tudo é muito fácil e bonito; mas eu ainda estou tentando colocar tudo isso em prática.
As minhas gavetas continuam abertas e muitas não consigo ainda arrumá-las. Mas consegui esvaziar algumas e arrumar outras. Ou seja, consegui  definir o lugar adequado das meias e da roupa íntima.
E essa arrumação começou com o fim de um relacionamento, que era bom, mas não o que eu queria.Fui muito feliz, mas em algum momento me perdi e precisava me reencontrar.
E o que eu quero?
Seguir o meu desejo e construir algo que seja realmente meu!
Vou conseguir?
Não sei.
Mas um fato já é claro para mim: nada acontece no tempo errado.

O processo de análise continua e, como psicanalista, será eterno.

Cada sessão é uma descoberta nova!
Um novo desafio!
Um novo momento a ser experimentado!
O que eu quero com isso?
Repito: ser o meu próprio desejo!

Uma tarefa nada fácil, mas tenho conseguido.
Não quero mais usar máscaras com ninguém.
Não tenho mais medo de falar o que penso ou sinto, o que assusta muitas pessoas.
Que assim seja, então!

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