"Não se pode
escrever nada com indiferença". Assim é Simone de Beauvoir em
todas as suas obras. A escritora
francesa confirma a sua própria máxima na recém-lançada obra no Brasil “Mal-entendido em Moscou”. O texto foi
escrito entre 1966 e 1967, após Simone e seu companheiro, o filósofo existencialista
francês Jean-Paul Sartre, visitarem a capital da então União Soviética. A princípio,
a novela faria parte do conceituado “Mulher
Desiludida”, mas na última hora foi substituída pelo texto “A idade da
discrição”.
Os que conhecem um pouco da história do famoso casal
certamente reconhecem na narrativa de André e Nicole - dois professores
aposentados sexagenários em vista a Moscou dos anos 1960 -, as questões que devem
ter angustiado Beauvoir e Sartre.
No texto, o casal visita a cidade moscovita para passar um
período com a filha de André, Macha, que lá vive. Desde à chegada e o primeiro
contato com a jovem enteada, Nicole questiona a sua finitude, a velhice e todos
os percalços da idade. Por outro lado, André também reflete sobre a sua não
vitalidade e conclui que não teve uma vida muito construtiva. Se o personagem masculino é reflexo de Sartre, pode parecer
difícil acreditar que o filósofo teria alguma dúvida sobre o seu legado. Mas os
angustiados heideggerianos - e certamente Sartre o era, pois
foi um dos admiradores da obra do filósofo alemão Martin Heidegger, no qual se inspirou para escrever "O Ser e o Nada" (1943) -, compreendem
perfeitamente o sentimento do “nada” (vazio) que os acompanha durante toda a
vida.
A beleza do texto de Beauvoir está em traduzir o sentimento
do universo feminino e masculino. É interessante passear pela mente dos dois
personagens através da narrativa da escritora, que traduz a dor, a fragilidade
e a angústia feminina e masculina, tão diferentemente semelhante! (é isso mesmo!)
Ciúmes, política, tempo, desencanto, amor e, principalmente problemas de comunicação, são fontes de questionamentos da escritora através dos dois personagens. Ao ler a obra – o que fiz em apenas uma tarde – fiquei imaginando como a história poderia ser diferente e menos dolorosa - para ambos - se sempre falassem o que pensam e o mais importante: o que sentem em relação ao que incomoda, alegra e entristece.
Ciúmes, política, tempo, desencanto, amor e, principalmente problemas de comunicação, são fontes de questionamentos da escritora através dos dois personagens. Ao ler a obra – o que fiz em apenas uma tarde – fiquei imaginando como a história poderia ser diferente e menos dolorosa - para ambos - se sempre falassem o que pensam e o mais importante: o que sentem em relação ao que incomoda, alegra e entristece.
Mas assim como André e Nicole ou Simone e Sartre ou tantos
outros casais, criamos personagens e acreditamos que temos que interpretá-los
para sempre, sem imaginar (e prever) que a vida é viva e, portanto,
transformadora. Deixamos de falar ou falamos o que não devemos (na tentativa de
nos proteger) e assim laços são desfeitos ou transformados em nós.
O amor nos amedronta quando entendemos a fragilidade desse
sentimento e que qualquer “passo errado” pode afastar o outro. O que geralmente
percebemos tarde demais é que justamente o medo de caminhar – seja pelos
caminhos errados ou certos – é responsável
por levar o outro pra longe. Muito longe.
Contudo, a obra não é uma história de amor. Mas uma "história
da vida". Ou a aproximação e consciência do final da vida, e o grande
questionamento: o que fizemos dela e o que ainda podemos (ou não) fazer com o
tempo que nos resta. Como viver com a sensação – tão real quando se tem algumas décadas – que o fim está mais próximo? Sensação que não temos aos
20, aos 30 e até aos 40!
Ao longo dos anos, o “vazio” (ou nada) dos angustiados é mais
profundo, tornando-os mais reflexivos, inquietos e, algumas vezes, mais produtivos. O
grande desafio é vivenciar esse sentimento como algo importante para a
redescoberta da vida, e não deixar que a “angústia de existir seja mais
intolerável do que o medo de morrer”.
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