domingo, 26 de fevereiro de 2012

Imaginação na filosofia de David Hume


Trabalho a seguir foi apresentado, em 2009, em cumprimento às exigências do Curso de Licenciatura em Filosofia da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo, para o Módulo “Epistemologia”.
Resumo
O presente trabalho pretende apresentar como o filósofo David Hume abordou a temática “Imaginação” e sua estreita relação para a elaboração das ‘crenças’, ‘memória’ e, assim, a contribuição para a construção do conhecimento. As obras analisadas foram Investigação acerca do Entendimento Humano e o Tratado sobre La Naturaleza Humana – Libro Primero. Na leitura das obras citadas, fica claro que o autor acredita que entender como procede a mente humana é a base para se estabelecer como o ser humano formula o seu conhecimento acerca de todas as ciências que existem. A sua tese baseia-se no uso das ciências da natureza para investigar o entendimento humano, o mesmo método usado por Isaac Newton, no qual tem como objeto de trabalho a observação e a experiência.  Hume diz que todas as ideias formuladas pela mente humana são resultados da experiência sensível e apresentadas como imaginação, que associa essas ideias por meio de princípios, formando novas ideias sobre o mundo. Consequentemente, o homem infere conclusões sobre os fatos do mundo. O papel da imaginação, no entanto, é fundamental para o processo da construção do conhecimento para o homem. A opção foi entender a importância da “Imaginação” na construção da filosofia de David Hume sobre a construção do conhecimento humano avaliando apenas as suas obras, sem, com isso, ter a interferência de comentadores. Essa metodologia pode ser arriscada, no entanto, a intenção foi tentar apresentar ao leitor desse material o verdadeiro entendimento do autor(*) do mesmo sobre o tema.

(*)Teca Pereira
Origem das Ideias

            Para compreender o pensamento de David Hume acerca do papel da imaginação no processo de construção do conhecimento humano, é preciso entender como as ideias ou pensamentos são desenvolvidos. O pensador defende que as ideias ou pensamentos formulados pela mente humana são resultados da experiência sensível e apresentadas como imaginação (memória, recordação). A imaginação associa essas ideias por meio de alguns princípios e, assim, formula novas ideais e, a partir daí, infere conclusões sobre os fatos do mundo. Mas diz que “a imaginação pode copiar as sensações do sentido”, mas jamais alcançará a força da vivacidade da sensação original.

O máximo que podemos dizer delas, mesmo quando atuam em seu maior vigor, é que representam o seu objeto de um modo tão vivo que quase podemos dizer que o vemos ou o sentimos. Mas ao menos que o espírito esteja perturbado por uma doença ou loucura, nunca chegam a tal grau de vivacidade que não seja possível discernir as percepções dos objetos. (HUME, D. Investigação acerca do Entendimento Humano)

Para Hume, o mundo é constituído por fatos. A mente humana é formada por um conjunto de percepções formuladas pela experiência. Essas percepções são impressões e ideias (pensamento). O que as diferenciam são os graus de força e vivacidade. Enquanto as impressões são as percepções mais vivas, ou seja, é o ato; as ideias ou pensamentos são menos vivas, ou melhor, são as recordações e memórias (imaginação) do ato, da experiência.
Ou melhor, para a construção de um conhecimento, sempre há algo na mente fornecido pelos sentidos, que o autor chama de imagem ou pensamento. Para melhor explicar essas percepções, Hume as classifica em simples e complexas.



Todas as percepciones de la mente humana se deducen a dos gêneros distintos que yo llamo impresiones e ideas. La diferencia entro ellos consiste em los grados de fuerza y vivacidad com que se presentan nuestro espíritu y se abren camino em nuestro pensamiento y conecimento. (HUME, D. Tratado sobre La Naturaleza Humana).

Enquanto as percepções simples não permitem separações, as complexas são justamente as que permitem. “A unque um color, sabor y olor particular son cualidades unidas todas em una manzana, es fácil percibir que no son lo mismo, sino que son al menos distinguibles las unas de las otras” (HUME, D. Tratado sobre La Naturaleza Humana).
            Nesse caso, a maçã é uma ideia complexa. Ou seja, o conhecimento da maçã nos é dado por meio de uma série de impressões e ideias. A cor, o sabor, o cheiro, a textura, enfim, uma série de características – que são concebidas por meio dos sentidos e da experiência – nos dão o conhecimento da maçã. Podemos concluir, então, que as ideias ou os pensamentos são derivados das impressões.  Porém, como já dito anteriormente, embora encontremos semelhanças para a associação de ideias e impressões, o que as distinguem são justamente a força e vivacidade. No Tratado sobre la Naturaleza Humana, Hume afirma:

La primera circustancia que atre mi atención es la gran semejanza entre nuestras impresiones e ideas en todo outro respecto que no sea su grado de fuerza e vivacidad. Las unas parecen se em cierto modo el reflejo de las otras, así que todas las percepciones del espíritu humano son dobles y aparecen a la vez como impresiones e ideas.

            É importante reforçar que na obra na qual se encontra a citação anterior, o autor defende que os princípios ‘força e vivacidade’, além de distinguirem impressões de ideias, também servirão para diferenciar as formas de ideias.
            Para explicar como as ideias ou os pensamentos são derivados das impressões por meio dos critérios ‘força e vivacidade’, é preciso entender que esses critérios das impressões são comunicados às ideias correspondentes, porém nunca em sua totalidade. O que prova que as impressões são mais vivazes e fortes que as ideias ou os pensamentos. Isso quer dizer que os sentidos nos possibilitam uma impressão. E, por isso, esse tipo de percepção é mais forte e vivaz do que a ideia que se pode ter na mente. Exemplificando: comer a maçã, sentindo o seu  sabor, seu odor e sua textura é uma impressão mais forte e vivaz do que a imaginação ou a memória do ato de comê-la.
            A ideia só é possível por meio da experiência. Mesmo quando fazemos uma associação de ideias simples para chegarmos às ideias mais complexas, podemos fazê-la apenas por meio da experiência de percepções (impressões). Porém, segundo Hume, as ideias também podem nascer independentemente de impressões correspondentes. A respeito dessas associações, Hume diz em Investigação acerca do Entendimento Humano:

Pergunto se lhe seria possível, através de sua imaginação, preencher este vazio e dar nascimento à ideia dessa matriz particular, que, todavia, seus sentidos nunca lhe forneceram? (...) as ideias simples nem sempre derivam das impressões correspondentes, mas esse caso tão singular é apenas digno de observação e não merece que, unicamente por ele, modifiquemos nossa máxima geral.


(...)todas as impressões, isto é, todas as sensações, externas ou internas, são fortes e vivas; seus limites são determinados com mais exatidão e não é tão fácil confundi-las e equivocar-nos. Portanto, quando suspeitamos que o termo filosófico esta sendo empregado sem nenhum significado ou  ideia (...) devemos apenas perguntar: de que impressão é derivada aquela suposta ideia? E, se for impossível designar uma, isto servirá para confirmar a nossa suspeita. E razoável, portanto, esperar que, ao trazer as ideias a uma luz tão clara, removeremos toda discussão que pode surgir sobre sua natureza e realidade.
           
A imaginação na construção do conhecimento
Embora a obra analisada em sala de aula tenha sido Investigação acerca do Entendimento Humano, ao definir “Imaginação” como foco do trabalho apresentado, o autor do mesmo sentiu a necessidade de conhecer o Tratado sobre la Naturaleza Humana, pois, na referida obra, o tema ‘a construção do conhecimento humano’ também é foco de investigação. No Tratado, o pensador, como já dito anteriormente, defende que as ideias são objetos das impressões, portanto os princípios ‘força e vivacidade’ também servirão para diferenciar as formas de ideias, que podem ser mais vivazes e fortes do que outras. “Hay aún outra diferencia entre estos dos gêneros de ideas y que no es menos evidente, a saber: que unque ni las ideas de la memória e ni las de la imaginación”, afirmou Hume, em o Tratato.
Ou seja, Hume diz que temos as ideias mais vivazes e fortes da percepção de impressão, que ele classifica como memória; e as ideias menos vivazes e fortes, classificadas como imaginação. Explicando melhor: Hume define ideias de imaginação as associações livres das impressões passadas, enquanto as ideias de memória ocorrem em nossa mente de forma ordenada e seguindo a cronologia dos fatos. Portanto, as ideias de memória são mais vivazes e fortes que as ideias de imaginação, pois a última pode ocorrer apenas por meio de associações de ideias, seja simples ou complexa, sem passar pela experiência direta dos fatos, sendo, essas, fantasiosas.
 Isso nos leva a perceber que também as ideias, assim como as impressões, podem ser associadas de maneira diferente da apresentada da original. Voltamos, então, a distinção que o pensador faz de ideias e impressões simples e complexas; a primeira não pode ser descompostas, diferentemente da segunda, que possibilita a separação. E é essa possibilidade dessa separação que nos permite associar essas ideias em diferentes combinações.
Quando essas ideias se assemelham a uma impressão passada, temos uma ideia de memória; já quando essa associação de ideias é livre, ou então parte dessas ideias e cria algo sem correspondência direta à impressão, temos a imaginaçãoE aí entramos em uma outra questão importante na construção do conhecimento humano e o papel da imaginação nesse processo: a crença. A crença é uma forma peculiar de entender uma percepção, que pode ou não ser acompanhada dela. Por isso, é importante a distinção entre ideias de memória e ideias de imaginação.
            Vamos recapitular: as ideias de memória, que ocorrem em nossa mente de forma ordenada e seguindo a cronologia dos fatos, possibilitam o saber se essa impressão é primeira, realizada por repetições de impressões, ou por semelhança à impressões já vividas, ou se agem de outra forma. Por exemplo, se vemos fumaça, logo associaremos a fogo. Ou então, se é noite, logo vem o dia, ou vice-versa. Ou mesmo se já passamos pela experiência de ter tomado um líquido quente e queimado a boca, o liquido quente nos remeterá a ideia de queimar a boca. Teremos aqui o que Hume chama de causa e efeito.
            Ou seja, quanto maior a ocorrência de fatos por associação de certas conjunções, maior a força do hábito e a crença de que tais fatos por meio de certas conjunções ocorrerão. Essa sensação de que se repetirá o fato é diferente quando desenvolvemos um ideia de imaginação, porque ela ocorre por associações de ideias que não se correspondem. Exemplo: uma montanha de ouro: conhecemos a ideia de montanha e a ideia de ouro, e as associamos, porém é uma ficção, uma fantasia. E o que nos leva a distinguir a memória da imaginação (fantasia) é justamente a não experiência vivida do ato (a montanha de ouro) e a força do hábito dessa experiência. A repetição da experiência acontece pelas ideias de memória, enquanto a superação desses limites se dá pelas ideias de imaginação. Característica que permite a criação das inferências.
            Uma das diferenças entre as ideias de memória e de imaginação, é que a primeira é involuntária, pois surgem na mente por meio das associações de percepções vividas, e, com isso, são limitadas. Já as ideias de imaginação são livres, fazem associações de percepções que não são correlatas e, portanto, ilimitadas. O grande desafio é saber como distinguir uma ideia de memória da ideia de imaginação, porque, como o próprio Hume diz no Tratado, que uma percepção de uma impressão com o tempo torna-se tão fraca, que pode ser confundida com uma ideia de imaginação; e o contrário também pode acontecer. E nesse caso teremos o que Hume chama de “falsa memória”.
Hume não vai apresentar uma solução para o caso, apenas reforçará o critério de vivacidade e força. Isso porque a mente, ao associar as ideias livremente, parte de uma impressão do passado e isso só pode acontecer pela crença - forma peculiar de entender uma percepção – e que está diretamente associada à força e a vivacidade da percepção e essa seria a grande diferença entre ideias de memória e de imaginação.
           
Referências Bibliográficas
HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. Tradução Anoar Alex. São Paulo: Acrópolis, 2006.

HUME, D. Tratado de la natureleza humana. Tradução do inglês Vicente Viqueira. Libros em la Red, 2001.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei do seu texto, me esclareceu algumas coisas.