Em uma
manhã de quinta-feira, quando eu tomava o meu café, liguei a TV e passava um trailer de um
filme que me prendeu. Ao som da música Cracy
in Love, de Beyoncé, mas em um ritmo mais sensual, surgia na tela a mão perfeita de um homem,
uma voz masculina calma e sussurrada e um tórax de deixar qualquer deus grego
preocupado. Conforme as cenas passavam eu voltei a 1986 e me
lembrei do filme 9 ½ Semanas de Amor, que enlouqueceu uma
geração. (veja aqui algumas cenas). Mas não, era o trailer do filme 50 Tons de Cinza (assista aqui o trailer).
Quando acabaram
os 2’30 que me prenderam, a apresentadora do programa matinal disse: “quem
resistiria a um homem desses?”. Eu respondi em voz alta: difícil!
Mas imediatamente lembrei-me da sinopse do livro. Em uma manhã, assim que o livro foi lançado no Brasil, minha assistente estava com um exemplar. Perguntei a ela se estava gostando do
livro, e ela me respondeu que não, mas todas as suas amigas haviam lido e ela
não conseguia mais participar das conversas.
Perguntei do
que se tratava e ela disse que contava a história de uma jovem que se
apaixonava por um homem dominador, que para se excitar precisava sodomizar sua parceira. (no momento atual, sodomizar significa fazer sexo de
uma maneira brutal; é quase um estupro consentido).
Não me interessei.
Mas quando
vi o trailer do filme e ele me remeteu a 9
½ Semanas de Amor, decidi ler o livro.
Confissão: realmente é um livro excitante até a metade. Um homem sedutor que sabe agradar uma mulher sexualmente, poderoso, bem-sucedido, e mesmo as suas "esquisitices", no começo, pareceram inofensivas para mim. Se eu ainda não soubesse o desenrolar da trama, não teria achado nada demais. Seria apenas um livro que conta as experiências sexuais de uma jovem. E que experiências! Mas... as coisas começam a ficar perigosas ao longo da trama e é aí que, pra mim, foge do que é viver uma relação positiva, e é nesse momento que "50 Tons" é quase um plágio de 9 ½ Semanas de Amor, até
algumas cenas do filme estão descritas no livro. A diferença é que a personagem
de "9 Semanas" era mais velha e bem-sucedida, diferentemente de Anastasia, que
é uma jovem de 21 anos, virgem e recém-formada em literatura inglesa.
Também me
veio uma lembrança do passado, de quando assisti ao “9 semanas”. Eu tinha 21 anos,
assim como a personagem de “50 Tons”. Estava no último ano de jornalismo e logo após ter assistido ao filme comentei em grupo que havia gostado muito; eu assisti ao filme umas cinco vezes. Foi
então que um rapaz, que na época tinha uns 26 anos e estudava psicologia, disse
que o filme não correspondia a sua realidade, portanto não havia gostado. “O
John acaba com a autoestima da Elizabeth, coloca-a em situações perigosas e
manipula seus pensamentos, usando o sexo quase brutal”, disse ele.
Para quem
leu “50 Tons” parece ser a mesma história, e é. Hoje, eu sei porque gostei tanto de "9 Semanas"; eu só conseguia enxergar o amor que ela sentia por ele e tudo que uma garota de 21 anos deseja é "sentir esse amor" e acha que as experiências sexuais mais ousadas são as melhores.
Atenção: antes que alguém
venha com a conversa que cada um tem o direito de viver suas fantasias sexuais,
eu quero dizer que também concordo, e já vivi muitas delas, mas de comum acordo, e toda ação despertou uma reação que foi aceita pelo outro, e ambos saímos
felizes no dia seguinte, sem culpas e sem tormentos. O que é bem
diferente no livro "50 Tons" e no filme “9 Semanas”. As duas personagens femininas entram em conflito, hesitam em aceitar as propostas e são dominadas de tal forma, que demoram pra sair das histórias e, quando saem, estão humilhadas, muito machucadas e com a autoestima abalada.
Tudo que faz sofrer emocionalmente e
acaba com a autoestima do outro não é bom.
Mas como já
disse o polêmico Nelson Rodrigues há 100 anos: “Não são todas as mulheres que
gostam de apanhar, só as normais”.
Será?
E o que era
ser uma mulher normal para Nelson Rodrigues?
Ser normal é
gostar de ser maltratada ou se sujeitar a certas atitudes para ter um homem ao
seu lado?
E entendam, não estou falando apenas de atos violentos. Estou falando de algo tão perigoso
quanto à violência física: a palavra, a manipulação em volta a tantos dengos, a
dominação com opiniões que amedrontam as parceiras e as levam a se anular. Anular suas
vidas, seus desejos, seus sonhos e, para manter esses homens, aceitam algumas
regras apenas para não perdê-los. E em pleno Século XXI, pós-movimento
feminista, ainda há mulheres que se veem nesse cenário.
Por quê?
Porque
vivemos em uma sociedade hipócrita que prega às suas mulheres, por meio da
mídia, das telenovelas, das campanhas de publicidade e nos muitos livros “50
Tons”, que uma mulher precisa ter um homem, seja ele como for.
E há uma manutenção desse amor romântico que faz sofrer, que eu não consigo compreender.Para essa
sociedade, ser uma mulher sem um homem é quase um atestado de infelicidade
eterna.
Essa mesma
sociedade criou alguns tipos de homens: o dominador, que tem medo de mulheres
fortes e, por isso, só se aproxima de “Anastasias”, e quando se vê apaixonado por uma mulher forte - porque o dominador se apaixona de verdade pela mulher forte -, tenta a qualquer custo moldá-la (sem sucesso) ou faz um
jogo perigoso para ambos; o homem que precisa de uma mãe; e o homem que precisa
espalhar a sua sementinha por aí.
Calma, rapazes!
Eu não acho
que todos os homens são iguais e conheço homens que buscam uma
mulher para compartilhar suas histórias, nas quais não há dominador, nem
dominado; enganador, nem enganado; apenas há duas pessoas que se desejam,
gostam da companhia um do outro e se sentem aconchegados e em paz.
E não pensem
que acho que nós mulheres somos sempre as vítimas. Não mesmo! Essa mesma
sociedade também criou as dominadoras, que
precisam a todo tempo provar para o mundo que mandam em seus homens; as
submissas, que vivem presas a histórias ruins; as que precisam de um pai, ou seja, um cuidador; e as aproveitadoras, que jogam
como os homens.
Aí vocês me perguntam: o que fazer?
Não há receita.
Mas eu busquei o meu lugar. Defini o que quero de uma relação afetiva e quando eu a quero. E se decidir que o momento não é viver uma relação afetiva, não a vivo.
A vida tem vários tons coloridos que me fazem feliz.
O importante
é entender que a felicidade não vem do outro; vem de nós, e se houver alguém
para compartilhá-la conosco, que bom!
E entre quatro paredes tudo é permitido, desde que possamos nos levantar no dia seguinte sem neuroses.
E nunca se
esqueçam: “solidão é a dor de quem está sozinho, mas solitude é o prazer de
estar só”.
A escolha é nossa!
Dedico esse texto a
Simon Salton, o homem que me ensinou a diferença entre solidão e solitude; a
diferença de amor e paixão; e que o aconchego e a paz são fundamentais para a
felicidade plena.
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