Obra de Salvador Dalí |
Quanta pretensão!
E as obras de Clarice o que são? Será que essas pessoas que participaram desse projeto -- que acho nobre -- nunca leram Lispector? Ou mesmo alguns aforismos de Nietzsche? Enfim, mas deixemos o professor pra lá e voltemos à obra "Água Viva".
Eu recomendei o belo texto para alguns amigos que sei que apreciam a leitura, mas é preciso alertar que é necessário estar preparado para essa obra. Clarice "vomita" os pensamentos, as palavras e, muitas vezes, os menos preparados não vão compreender.
"Água Viva" é uma obra em movimento. Um constante movimento. Várias são as passagens que me tocaram e me levaram a avaliar o "meu existir" e, novamente, pensar na temporalidade -- o que venho fazendo há alguns anos, desde que iniciei meus estudos em filosofia.
O que é o tempo?
O que fazemos dele?
Como o entendemos?
O tempo deveria ser o nosso grande aliado; um cenário para que possamos viver e nos conhecer melhor. Fico cada vez mais impressionada como a grande maioria das pessoas lida com o tempo, insistindo em dividi-lo em passado, presente e futuro. Esse é um grande problema que a gramática nos deixou.
Mas o que é esse tempo mensurável?
Ele existe mesmo?
Conheço pessoas que ficam presas "ao passado", porque sempre acham que lá as "coisas" eram melhores. Então, lembro-me que "nesse passado" essas mesmas pessoas falavam de um "passado-mais-passado". E assim por diante.
Ou então, há aqueles que vivem no futuro, ou para o futuro. Trabalham sem parar, projetam sem parar, nunca estão satisfeitas, pensam demais. E se esquecem que o caminho pode ser mais interessante do que a chegada.
Em "Água Viva", Clarice fala do "instante", do "já", do "agora".
Por que há quem não consegue viver o agora, com vontade, com sabedoria?
Por que há quem sempre pensa que está perdendo "tempo"?
Por que há quem não consegue viver o que realmente deseja?
Todos os compromissos são marcados e determinados em um "espaço de tempo" e, dessa forma, ninguém aproveita o "já", o "agora", porque está tentando controlar "esse tempo". O "tempo do instante já".
Uma das passagens que mais me chamou a atenção na obra, foi a descrição de um sonho da personagem: :
Então sonhei uma coisa que vou tentar reproduzir. Trata-se de um filme que eu assistia. Tinha um homem que imitava artista de cinema. E tudo o que esse homem fazia era por sua vez imitado por outros e por outros. Qualquer gesto. E havia a propaganda de uma bebida chamada Zerbino. O homem pegava a garrafa de Zerbino e levava-a à boca. Então todos pegavam uma garrafa de Zerbino e levavam-na à boca. No meio o homem que imitava artista de cinema dizia: este é um filme de propaganda de Zerbino e Zerbino na verdade não presta. Mas não era o final. O homem retomava a bebida e bebia. E assim faziam todos: era fatal. Zerbino era uma instituição mais forte do que o homem. (Clarice Lispector. Água Viva)Assim foi nos ensinado a viver: repetindo gestos, atitudes, padrões, mesmo que saibamos que não "prestam para as nossas vidas". Porque todo mundo faz!
Deixamos de viver histórias, momentos, alegrias plenas, por conta de "Zerbinos" que são divulgados por aí por diferentes fontes.
Pois eu, espero ter a força e a sabedoria da personagem de Clarice Lispector que logo no início da obra diz: "Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada"
E você o que tem feito do "seu agora"?
Nenhum comentário:
Postar um comentário