Trabalho a seguir foi apresentado, em 2009, em cumprimento
às exigências do Curso
de Licenciatura em Filosofia da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista
de São Paulo, para o Módulo “Epistemologia”.
Resumo
O
presente trabalho pretende apresentar como o filósofo David Hume abordou a
temática “Imaginação” e sua estreita relação para a elaboração das ‘crenças’,
‘memória’ e, assim, a contribuição para a construção do conhecimento. As obras
analisadas foram Investigação acerca do
Entendimento Humano e o Tratado
sobre La Naturaleza Humana – Libro Primero. Na leitura das obras citadas, fica claro que o
autor acredita que entender como procede a mente humana é a base para se
estabelecer como o ser humano formula o seu conhecimento acerca de todas as
ciências que existem. A sua tese baseia-se no uso das ciências da natureza para
investigar o entendimento humano, o mesmo método usado por Isaac Newton, no
qual tem como objeto de trabalho a observação e a experiência. Hume diz que todas as ideias formuladas pela
mente humana são resultados da experiência sensível e apresentadas como
imaginação, que associa essas ideias por meio de princípios, formando novas
ideias sobre o mundo. Consequentemente, o homem infere conclusões sobre os
fatos do mundo. O papel da imaginação, no entanto, é fundamental para o
processo da construção do conhecimento para o homem. A opção foi entender a
importância da “Imaginação” na construção da filosofia de David Hume sobre a
construção do conhecimento humano avaliando apenas as suas obras, sem, com
isso, ter a interferência de comentadores. Essa metodologia pode ser arriscada,
no entanto, a intenção foi tentar apresentar ao leitor desse material o verdadeiro
entendimento do autor(*) do mesmo sobre o tema.
(*)Teca Pereira
Origem
das Ideias
Para
compreender o pensamento de David Hume acerca do papel da imaginação no processo de construção do conhecimento humano, é
preciso entender como as ideias ou pensamentos são desenvolvidos. O pensador
defende que as ideias ou pensamentos formulados pela mente humana são
resultados da experiência sensível e apresentadas como imaginação (memória, recordação). A imaginação associa essas ideias por meio de alguns princípios e,
assim, formula novas ideais e, a partir daí, infere conclusões sobre os fatos
do mundo. Mas diz que “a imaginação pode
copiar as sensações do sentido”, mas jamais alcançará a força da vivacidade da
sensação original.
O máximo que podemos
dizer delas, mesmo quando atuam em seu maior vigor, é que representam o seu
objeto de um modo tão vivo que quase podemos dizer que o vemos ou o sentimos.
Mas ao menos que o espírito esteja perturbado por uma doença ou loucura, nunca
chegam a tal grau de vivacidade que não seja possível discernir as percepções
dos objetos. (HUME, D. Investigação
acerca do Entendimento Humano)
Para Hume, o mundo é
constituído por fatos. A mente humana é formada por um conjunto de percepções
formuladas pela experiência. Essas percepções são impressões e ideias
(pensamento). O que as diferenciam são os graus de força e vivacidade. Enquanto
as impressões são as percepções mais vivas, ou seja, é o ato; as ideias ou
pensamentos são menos vivas, ou melhor, são as recordações e memórias (imaginação) do ato, da experiência.
Ou melhor, para a
construção de um conhecimento, sempre há algo na mente fornecido pelos sentidos,
que o autor chama de imagem ou pensamento. Para melhor explicar essas
percepções, Hume as classifica em simples e complexas.
Todas as percepciones
de la mente humana se deducen a dos gêneros distintos que yo llamo impresiones e
ideas. La diferencia entro ellos consiste em los grados de fuerza y vivacidad
com que se presentan nuestro espíritu y se abren camino em nuestro pensamiento
y conecimento. (HUME, D. Tratado sobre La Naturaleza Humana ).
Enquanto as percepções
simples não permitem separações, as complexas são justamente as que permitem. “A
unque um color, sabor y olor particular son cualidades unidas todas em una
manzana, es fácil percibir que no son lo mismo, sino que son al menos
distinguibles las unas de las otras” (HUME, D. Tratado sobre La
Naturaleza Humana ).
Nesse
caso, a maçã é uma ideia complexa. Ou seja, o conhecimento da maçã nos é dado
por meio de uma série de impressões e ideias. A cor, o sabor, o cheiro, a
textura, enfim, uma série de características – que são
concebidas por meio dos sentidos e da experiência – nos dão o conhecimento da
maçã. Podemos concluir, então, que as ideias ou os pensamentos são derivados
das impressões. Porém, como
já dito anteriormente, embora encontremos semelhanças para a associação de
ideias e impressões, o que as distinguem são justamente a força e vivacidade. No Tratado sobre la Naturaleza Humana ,
Hume afirma:
La primera
circustancia que atre mi atención es la gran semejanza entre nuestras
impresiones e ideas en todo outro respecto que no sea su grado de fuerza e
vivacidad. Las unas parecen se em cierto modo el reflejo de las otras, así que
todas las percepciones del espíritu humano son dobles y aparecen a la vez como
impresiones e ideas.
É
importante reforçar que na obra na qual se encontra a citação anterior, o autor
defende que os princípios ‘força e vivacidade’, além de distinguirem impressões
de ideias, também servirão para diferenciar as formas de ideias.
Para
explicar como as ideias ou os pensamentos são derivados das impressões por meio
dos critérios ‘força e vivacidade’, é preciso entender que esses critérios das impressões são
comunicados às ideias correspondentes, porém nunca em sua totalidade. O que
prova que as impressões são mais vivazes e fortes que as ideias ou os pensamentos.
Isso quer dizer que os sentidos nos possibilitam uma impressão. E, por isso,
esse tipo de percepção é mais forte e vivaz do que a ideia que se pode ter na
mente. Exemplificando: comer a maçã, sentindo o seu sabor, seu odor e sua textura é uma impressão
mais forte e vivaz do que a imaginação
ou a memória do ato de comê-la.
A
ideia só é possível por meio da experiência. Mesmo quando fazemos uma
associação de ideias simples para chegarmos às ideias mais complexas, podemos
fazê-la apenas por meio da experiência de percepções (impressões). Porém,
segundo Hume, as ideias também podem nascer independentemente de impressões
correspondentes. A respeito dessas associações, Hume diz em Investigação acerca do Entendimento Humano:
Pergunto se lhe seria
possível, através de sua imaginação, preencher este vazio e dar nascimento à
ideia dessa matriz particular, que, todavia, seus sentidos nunca lhe
forneceram? (...) as ideias simples nem sempre derivam das impressões
correspondentes, mas esse caso tão singular é apenas digno de observação e não
merece que, unicamente por ele, modifiquemos nossa máxima geral.
(...)todas as
impressões, isto é, todas as sensações, externas ou internas, são fortes e
vivas; seus limites são determinados com mais exatidão e não é tão fácil confundi-las
e equivocar-nos. Portanto, quando suspeitamos que o termo filosófico esta sendo
empregado sem nenhum significado ou ideia
(...) devemos apenas perguntar: de que impressão é derivada aquela suposta
ideia? E, se for impossível designar uma, isto servirá para confirmar a nossa
suspeita. E razoável, portanto, esperar que, ao trazer as ideias a uma luz tão
clara, removeremos toda discussão que pode surgir sobre sua natureza e
realidade.
A imaginação na construção do
conhecimento
Embora a obra analisada em
sala de aula tenha sido Investigação
acerca do Entendimento Humano, ao definir “Imaginação” como foco do
trabalho apresentado, o autor do mesmo sentiu a necessidade de conhecer o Tratado sobre la Naturaleza Humana ,
pois, na referida obra, o tema ‘a construção do conhecimento humano’ também é
foco de investigação. No Tratado, o
pensador, como já dito anteriormente, defende que as ideias são objetos das
impressões, portanto os princípios ‘força e vivacidade’ também servirão para
diferenciar as formas de ideias, que podem ser mais vivazes e fortes do que
outras. “Hay aún outra diferencia entre
estos dos gêneros de ideas y que no es menos evidente, a saber: que unque ni
las ideas de la memória e ni las de la imaginación”, afirmou Hume, em o Tratato.
Ou seja, Hume diz que
temos as ideias mais vivazes e fortes da percepção de impressão, que ele
classifica como memória; e as ideias menos vivazes e fortes, classificadas como
imaginação. Explicando melhor: Hume
define ideias de imaginação as associações livres das impressões passadas,
enquanto as ideias de memória ocorrem em nossa mente de forma ordenada e
seguindo a cronologia dos fatos. Portanto, as ideias de memória são
mais vivazes e fortes que as ideias de imaginação, pois a última pode ocorrer
apenas por meio de associações de ideias, seja simples ou complexa, sem passar
pela experiência direta dos fatos, sendo, essas, fantasiosas.
Isso nos leva a perceber que também as ideias,
assim como as impressões, podem ser associadas de maneira diferente da
apresentada da original. Voltamos, então, a distinção que o pensador faz de
ideias e impressões simples e complexas; a primeira não pode ser descompostas,
diferentemente da segunda, que possibilita a separação. E é essa possibilidade
dessa separação que nos permite associar essas ideias em diferentes
combinações.
Quando essas ideias se
assemelham a uma impressão passada, temos uma ideia de memória; já quando essa
associação de ideias é livre, ou então parte dessas ideias e cria algo sem
correspondência direta à impressão, temos a imaginação. E
aí entramos em uma outra questão importante na construção do conhecimento
humano e o papel da imaginação nesse
processo: a crença. A crença é uma forma peculiar de
entender uma percepção, que pode ou não ser acompanhada dela. Por isso, é
importante a distinção entre ideias de memória e ideias de imaginação.
Vamos
recapitular: as ideias de memória, que ocorrem em nossa mente de forma ordenada
e seguindo a cronologia dos fatos, possibilitam o saber se essa impressão é
primeira, realizada por repetições de impressões, ou por semelhança à impressões
já vividas, ou se agem de outra forma. Por exemplo, se vemos fumaça, logo
associaremos a fogo. Ou então, se é noite, logo vem o dia, ou vice-versa. Ou
mesmo se já passamos pela experiência de ter tomado um líquido quente e
queimado a boca, o liquido quente nos remeterá a ideia de queimar a boca.
Teremos aqui o que Hume chama de causa e efeito.
Ou
seja, quanto maior a ocorrência de fatos por associação de certas conjunções,
maior a força do hábito e a crença de que tais fatos por meio de certas conjunções
ocorrerão. Essa sensação de que se repetirá o fato é diferente quando
desenvolvemos um ideia de imaginação,
porque ela ocorre por associações de ideias que não se correspondem. Exemplo:
uma montanha de ouro: conhecemos a ideia de montanha e a ideia de ouro, e
as associamos, porém é uma ficção, uma fantasia. E o que nos leva a distinguir
a memória da imaginação (fantasia) é justamente a não experiência vivida do ato
(a montanha de ouro) e a força do hábito dessa experiência. A repetição da
experiência acontece pelas ideias de memória, enquanto a superação desses
limites se dá pelas ideias de imaginação. Característica que permite a criação
das inferências.
Uma
das diferenças entre as ideias de memória e de imaginação, é que a primeira é
involuntária, pois surgem na mente por meio das associações de percepções
vividas, e, com isso, são limitadas. Já as ideias de imaginação são livres,
fazem associações de percepções que não são correlatas e, portanto, ilimitadas.
O grande desafio é saber como distinguir uma ideia de memória da ideia de
imaginação, porque, como o próprio Hume diz no Tratado, que uma percepção de uma impressão com o tempo torna-se
tão fraca, que pode ser confundida com uma ideia de imaginação; e o contrário
também pode acontecer. E nesse caso teremos o que Hume chama de “falsa
memória”.
Hume não vai apresentar uma
solução para o caso, apenas reforçará o critério de vivacidade e força. Isso
porque a mente, ao associar as ideias livremente, parte de uma impressão do
passado e isso só pode acontecer pela crença - forma peculiar de entender uma
percepção – e que está diretamente associada à força e a vivacidade da
percepção e essa seria a grande diferença entre ideias de memória e de imaginação.
Referências
Bibliográficas
HUME,
D. Investigação acerca do entendimento
humano. Tradução Anoar Alex. São Paulo: Acrópolis, 2006.
HUME,
D. Tratado de la natureleza humana.
Tradução do inglês Vicente Viqueira. Libros em la Red , 2001.
Um comentário:
Gostei do seu texto, me esclareceu algumas coisas.
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